sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

-A Pseudo-Bruxaria

{Por Asgard}.


Àqueles que buscam a beleza nos caminhos da bruxaria, eu também - pois muitos já o fizeram - alerto de que aqui não a encontrarás, senão mediante muito esforço, dedicação e sofrimento. A Bruxaria não é a tradição nem o caminho para o povo, para o público laico que deseja somente mais um espetáculo, mais uma cena nesse circo imaginário em que vive. Os deuses não são palhaços, como também os bruxos não são seus malabares.

Nenhuma divindade, no passado e no presente, e no futuro desejamos nós, procurou agradar o ser humano, pois para agradá-lo é necessário consentir com seus erros; qual a mãe que acatando todas as vontades do filho verá nascer dele um homem sério e louvável ? Nenhuma é a resposta que a lógica nos dá. Assim, não esperemos dos deuses fartos buquês de rosas, ou bálsamos para todas as nossas dores egocêntricas.

Os Antigos não estão aqui para nos agradar, como tanto se diz; estão para nos ajudar nesse eterno processo de evolução, e para evoluirmos devemos confrontar-nos com nossos próprios defeitos, nossas fraquezas, esses os verdadeiros demônios [daimones maléficos]. Tal ciência não é tida por muitos atualmente, procura-se enfeitar os velhos tempos e pintá-los de rosa para receber os deuses que criamos em nossa imaginação, baseados em egrégoras milenares, mas que possuem como única característica o fato de existirem apenas para alimentar e nutrir os temores dos homens. Esses deuses de hoje não são os deuses de ontem, são bodes nos quais o homem põe a culpa de seus atos pela evidente fraqueza que possuem no momento de encará-los.

Após o crepúsculo dos deuses, quando os Antigos deixaram a humanidade tornar-se órfã, apenas poucos seletos abrigaram e guardaram consigo a chama sagrada, mantendo protegidos os velhos ensinamentos que, nas mãos do laicato, se tornariam armas utilizadas em seu próprio suicídio. Nem todos os homens estão preparados para conhecer certas verdades, os homens não são iguais, se o fossem, não haveria mais sentido em se manterem aqui, logo fariam melhor suicidando-se coletivamente, e poupando aos deuses o trabalho de limpar a terra de um mundo preenchido de lodo e lama.

Esses grupos e sociedades que preservaram os segredos, o fizeram porque sabiam de sua importância. Deixar os homens sozinhos e permitir que os últimos Mistérios se fossem, seria o mesmo que condenar a humanidade ao fatal destino que tantos profetas já previram. A Bruxaria está aberta a todos, como uma ciência e religião. É ela que mantém acesa na Gália a velha chama de Hestia, que também queimava em Roma. Porém, poucos são aqueles abertos à verdadeira Bruxaria, aos verdadeiros segredos que regem os ciclos da Terra, da Natureza e do Homem.

O que se encontra hoje tão disponível na grande mídia, não é a velha trilha que leva aos antigos bosques de Carvalho. Essa se mantém preservada dos olhos invejosos de certos povos. O que se encontra nela são apenas farsas, comédia e novelas para aqueles que procuram diversão, muitas vezes cercada de perigos desconhecidos. Brincar com os deuses é brincar com a vida, e com a morte. Pois o mesmo que dá a vida a toma, assim é a eterna espiral, a Grande Mãe que alimenta com seu corpo os filhos pródigos, e com esse mesmo corpo os enterra.

O que estamos tentando explicar, é que nem tudo que reluz é ouro, como já ensinavam nossos antepassados. Não basta desenhar esferas para criar mundos, não basta acender velas para conversar com o elemento vital; é mister conhecer o segredo de que os deuses não são e não podem ser banalizados como peças de um jogo de xadrez. Querer representar os deuses como lindos anjos dispostos a servir à humanidade, é errar de forma tríplice: é atentar contra si mesmo, contra a verdade e contra a divindade.

Muito se procura banalizar os deuses em nosso tempo: Afrodite tornou-se uma versão helênica da Smuferti, aquela duendezinha azul dos desenhos animados, e esquece-se de que na Trácia, sob o nome de Afrodite Zerintia, ela recebia como oferenda sacrifícios de cachorros, animal que muitos tem como membros de sua família. Ao ler isso muitos se assustarão ao saber que sua bela e rosada deusa recebia sacrifícios de animais. Poucos sabem também, que para os atenienses, ela era conhecida como a mais velha das Moiras. As Moiras, sombrias deusas do destino, que traçavam a vida e a morte dos seres, tinham como irmã a deusa do amor; porém, não esse amor fútil dos homens de hoje.

Hécate, senhora da encruzilhada, vagava nas noites escoltada por inúmeros fantasmas e monstros, e certas criaturas a tem como Mãe, acendendo lindas velas e proferindo belas orações em sua honra. Sekhmet, a leoa do Egito, hoje mais parece Bastet, um gato inofensivo. Isso nas mentes doentias das criaturas que merecem mais a morte do que a vida digna dada pelos deuses para que tornemo-nos ventos e tempestades. Em todos os mistérios, nenhum ser era admitido senão após passar por provas de capacidade, ritos de iniciação e de passagem, ritos esses que muitas vezes punham em risco a vida daqueles que os testavam. Atravessar a tempestade de frente é a melhor maneira de provar ao Vento que se é digno de conhece-lo.

Hoje se vendem cursos e certificados de iniciação, onde o neófito pouco conhece dos perigos de se clamar aos deuses, sem mostrar-se digno disso. O homem é mortal por seus temores e divino por seus desejos, de fato possui em si a centelha de sua origem divina. Para se tornar maior, o Homem deve enfrentar pedras em seu caminho, andar contra a tempestade, nadar contra a correnteza, olhar o fogo subjugando-o. Para se mostrar digna dos deuses, a humanidade deve colocar-se acima de tudo o que é inferior. O medo e a ignorância são seus piores inimigos nessa senda.

A ignorância da qual falamos, é a ignorância de si mesmo, aquela que te faz mentir por medo de encarar a realidade e assim obter meios para moldá-la conforme sua vontade. A verdadeira Bruxaria é a arte do desejo, da vontade sobre todas as coisas, é a arte de criar. A pseudo-bruxaria, porém, é aquela que procura negar ao Homem o direito de se tornar divino, é a que procura enfeitar e inventar para chamar atenção, é a que procura a mídia para divulgar-se para a platéia. A Pseudo-bruxaria cria círculos, inventa cantos, pendura flores, apenas para tentar convencer. Isso a difere da verdadeira Bruxaria, que não procura convencer os Homens ou se fazer respeitar por eles. Nosso objetivo é maior.

Em verdade dizemos: não procura rebanho caro caminhante, procura mestres na observação da natureza e seu ciclo. Aquele que procura rebanhos é o que tem necessidade de mostrar-se, acredita-se tão evoluído que não possui mais o que aprender. A esse dizemos que se encontra em lugar errado, deveria estar em Avalon, a Terra da Maçã, ou então nos contos infantis sendo a própria maçã. Tenha o aprendizado como hábito, não como objetivo, já dizia certo conterrâneo de Aquiles. Não procuramos aquele que sorri. Seus dentes são prezas e nós apenas suas futuras vítimas. Procura a fera que não esconde suas garras, enfrenta a Esfinge, e encontrarás o Caminho de Eleusis. Não procura aquele que te agrada: os escolhidos dos deuses são desumanizados, dizia Fortune, e como tais se tornam incompreensíveis para o resto da humanidade.

Assim foi com todos os magos e gênios que passaram por esta terra. Mostre-se digno dos deuses e serás desprezado pelos Homens. Paracelso morreu aos 48 anos, morto por seus inimigos que não entendiam sua arte; Gilbert, Urbain Grandier e Cagliostro foram mortos por enfrentar a hipocrisia de sua sociedade. Cazotte foi decapitado em 1792. Robert Cochrane suicidou-se. Crowley foi perseguido por toda a sociedade de então, transformado em um símbolo do demônio, era apenas um ser que transcendeu os limites e recusou-se a participar da patifaria que nos é tão conhecida.

Os bruxos e sacerdotes da Pseudo-bruxaria são aqueles que sorriem para a humanidade, alimentam suas ridículas superstições e por isso recebem adoração. Mais uma vez repetimos: a Bruxaria não é a arte do engôdo, não é a arte dos romances de Shakespeare. Para conhecer os mistérios da vida e da morte, é necessário nascer, morrer e renascer, processo que custa principalmente a morte de muitos de nossos conceitos.

Não se conhecem antigos Mistérios através de livros ou manuais de formação de bruxas instantâneas, não se torna sacerdote dos deuses aquele que agrada e se submete aos humanos. Sê contrário, vá contra a correnteza, enfrenta as fortes marés da sujeira humana e serás digno de viver entre os deuses. Não tome o sexo por pecado, também não o banalize. Temos no sexo a mais sagrada de todas as experiências, foi o Presente que os deuses nos deram para que nos assemelhássemos à eles. Nos Templos de Ishtar e Afrodite a prostituição era sagrada, nos Clãs europeus os reis praticavam o Grande Rito com as sacerdotisas da Deusa. Esse rito não era um ato mecânico, era antes uma forma de unir as duas correntes que por estarem separadas, tornam o Homem apenas um mortal.

Procura os verdadeiros sacerdotes e a verdadeira ciência. Foge do povo, encontre aqueles que não amam ninguém, e por isso amam a todos. Seja o vento, viva nas alturas do Olimpo, próximo das águias, e acima dos homens. Torna-te forte e use tua força para destruir aqueles que te restarem, não com o martelo de Thor, mas com as palavras do velho Voltaire, sopra para longe teu furacão e derruba velhas casas que dominam a consciência dos homens, ou a falta dela. Se buscares realmente a verdadeira Arte, ajoelha-te perante os Deuses, somente à eles. Não seja figurante da comédia, contraria a farsa e seja servo da verdade. Mas atenta-te para o fato de que a verdade não é uma somente e que nenhum ser a possui em totalidade. Desconfia de ti e do teu próximo, e segue o curso das estrelas, olhando para o alto sem, no entanto, tirar o pé do chão!