sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

-A Mente Profunda e a Nudez Ritual na Bruxaria

Livro: “Enciclopédia da Bruxaria” 
Autora: Doreen Valiente

O fato de algumas bruxas da atualidade acreditarem na antiga idéia da nudez ritual é uma das coisas que agentes sensacionalistas sentem prazer em divulgar. De vez em quando nós temos a chance de sermos surpreendidos com alguns artigos do jornal de domingo com vívidas descrições de “orgias de nudez para adoração do demônio” e outras coisas parecidas, que supostamente acontecem na Grã-Bretanha dos dias de hoje. No entanto, os covens mais antigos, que evitam publicidade inoportuna, de maneira geral não fazem grande insistência quanto à nudez ritual, embora eles não vejam nada de absurdo em sua prática. Para alguns ritos, em uma noite de verão bastante quente, ou em lugares fechados, próximo ao fogo, é um prazer estar sem as roupas. Para outros ritos, em lugares ao ar livre na escuridão do Halloween, ou à meia-noite da Lua Cheia em alguma floresta solitária, é muito mais razoável estar muito bem agasalhado. 

A idéia da nudez como parte de um rito mágico ou religioso é encontrada por todo o mundo antigo. Nas famosas pinturas da Vila dos Mistérios, em Pompéia, a jovem garota que está sendo iniciada aparece vestida e com o rosto coberto por um véu, mas, ao fim da cerimônia de iniciação, ela é mostrada dançando nua, em um estado de êxtase religioso. Ela abandona todas as suas preocupações terrenas, todas as distinções de classe; ela é agora uma pessoa una com a natureza e com a vitalidade do universo. É essa liberdade e beleza que constituem o êxtase religioso para os pagãos.

Temos, no Antigo Testamento, em especial Samuel I, XIX-24, que os profetas antigos ou videntes de Israel profetizavam em um estado de nudez ritual. Nisso, eles eram como os Gimnosofistas, ou os Homens Sábios Nus da Grécia Antiga (do grego gymnos, nu, e sophos, sábio). Talvez, por essa razão, a idéia chegou até os romanos e gregos de que a nudez ritual era favorável para a realização de ritos mágicos. O que tinha começado como um costume religioso acabou tornando-se algo mágico.

Charles Godfrey Leland, em seu “Magia Cigana”, observou as freqüentes aparições da nudez ritual nos feitiços das Bruxas e no folclore em geral. Ele ressalta a semelhança entre as danças nuas selvagens dos antigos Sabás, como foram descritas por Pierre de Lancre, e os festivais dos ciganos, e ele nos faz lembrar que os ciganos vêm do Oriente, onde era comum acontecerem danças eróticas de mulheres em homenagem aos Deuses [os ciganos vêm da Índia. Foram chamados de Duques do Pequeno Egito porque o primeiro lugar onde apareceram na Europa foi a planície de Gype ou “Pequeno Egito”, que fica no Peloponeso, na Grécia.] Bruxas e ciganos há muito tempo apresentam esse tipo de semelhança.

Maimônides conta-nos que as jovens mulheres da Pérsia Antiga costumavam dançar na madrugada em homenagem ao Sol, nuas e cantando músicas; nós temos o relato dados por Plínio em sua “História Natural” sobre como as mulheres da antiga Grã-Bretanha também realizavam ritos religiosos sem roupas. Plínio considerava a Pérsia o lar dos Magi, o lar da magia, mas ele diz que os rituais eram tão bem realizados na antiga Grã-Bretanha que nós podemos ter ensinado magia aos persas, em vez do contrário. O costume da nudez ritual era certamente comum em ambos os lugares.

Relíquias da antiga crença no poder mágico da nudez podem às vezes ser encontradas no folclore. Por exemplo, existe uma idéia antiga de que uma mulher pode ser curada de esterilidade se caminhar nua por seu jardim de verduras na Véspera do Midsummer [Solstício de Verão], uma data que, devemos nos lembrar, é a do Sabá das Bruxas. Thomas Wright, em seu ensaio que acompanha a obra de Payne Knight, “Discourse on the Worship of Priapo”, tem uma interessante passagem com relação a esse assunto. 

Nós acreditamos que em uma das primeiras edições da Mãe Brunch [?], donzelas que desejavam saber se seus amantes eram constantes ou não recebiam instruções para saírem exatamente à meia-noite na Véspera de São João [Solstício de Verão - do hemisfério norte], tirar suas roupas, ficando totalmente nuas e, nessa condição, caminhar em direção em uma planta ou um arbusto, o nome do qual era dado, e ao redor dela elas deveriam formar um círculo e dançar, repetindo ao mesmo tempo algumas palavras que aprendiam com suas instrutoras. Ao terminar a cerimônia, elas deveriam juntar folhas da planta em redor da qual tinham dançado, que deveriam levar pra casa e colocar sob seus travesseiros, e o que desejavam saber seria revelado a elas em seus sonhos. Nós já vimos em alguns estudos medievais sobre instruções para colher as plantas de modo que tivessem virtudes especiais, e se exigia que isso fosse realizado por jovens garotas em um estado semelhante de completa nudez.

Em “Aradia: O Evangelho das Bruxas”, os seguidores de Diana recebiam a ordem de estarem nus em seus ritos, em sinal de que se sentiam totalmente livres. Por essa razão, muitos conventículos de Bruxas de hoje insistem em realizar seus ritos nus. Entretanto, existe uma grande diferença entre os climas da Itália ou do Oriente, e o clima das Ilhas Britânicas, como outras Bruxas indicam. Exigir a nudez ritual todas as vezes para as cerimônias das Bruxas na Grã-Bretanha hoje é simplesmente algo não-prático.

Além disso, muitas das Bruxas mais velhas sentem que toda a publicidade sobre danças de Bruxas nuas atrai um tipo de interesse errôneo sobre o que a tradição de fato significa, ou que deve significar como a Arte dos Sábios [por falar nisso, a etimologia de "Witchcraft" como “the Craft of the Wise”, a “Arte dos Sábios”, é completamente falsa.]. As pessoas que estão à procura apenas de um pouco de excitação sexual procuram pela tradição, sem nenhum compromisso ou crença sérios. Muita ênfase, elas acreditam, foi colocada nessa característica da Velha Religião. Elas acham que, junto com a outra velha prática do flagelo ritual, a nudez ritual é algo que pode muito bem ser deixado no passado, sem qualquer detrimento para o culto das Bruxas.

[O Açoite Solar usado na Bruxaria faz parte do conjunto dos nove instrumentos rituais do Culto de Mitra, que inclui: 1- a Espada Flamígera; 2- o Athame; 3- a Bolline; 4- o Baculum (ou varinha de condão); 5- o Calix ou Quaich; 6- o Pentaculum; 7- o Turibulum; 8- o Açoite Solar; 9- o Cingulum. Pela minha memória, isso era usado pelas Bruxas Irlandesas medievais, e também pelos Templários, e depois pelos filhotes dos Templários: os Maçons. Há que se lembrar que os soldados romanos que estiveram na Grã-Bretanha, e de modo geral todo o exército romano, eram do Culto de Mitra. O Açoite é feito em seda, serve para tirar os fiapos pretos que ficam grudados na aura e não deve machucar. Às vezes as Bruxas Italianas substituíam o Açoite por galhos de arruda, e as Bruxas Inglesas, por giesta, uma planta espinhenta. A aura deve ser “espanada”, gentilmente, com o Açoite, por 40 vezes. O modo de amarrar uma pessoa usando o cíngulo também veio do Culto de Mitra, e também pode ser encontrado entre Bruxas, Templários e Maçons. O crânio com tíbias cruzadas também é um traço comum entre Bruxas, Templários e Maçons. Se eu não tivesse a memória da minha vida passada, poderia pensar que Gardner pegou esse punhado de coisas da Maçonaria e enfiou na Bruxaria para formar a Bruxaria Gardneriana. Mas eu tenho minha memória, para saber que tudo isso já estava na Bruxaria medieval.]

O que, naturalmente, deixa-nos com uma pergunta: “a reação do público quanto à idéia das Bruxas dançando nuas é uma crítica das Bruxas ou uma crítica da mentalidade popular, depois de quase 2000 anos de civilização cristã?” O verdadeiro espírito da Bruxaria não tem nada em comum com as banais fantasias sexuais de escritores de filmes e da imprensa marrom (jornais de fofocas e cenas de escândalo). Tampouco ele é como o ocultismo superintelectualizado tanto do Ociedente como do Oriente, que exige muitas palavras longas para se expressar.

O verdadeiro segredo não pode ser expresso em palavras. Eles são muito mais questões de sentimento e de intuição, do que do intelecto. A alegria e a hilariedade de dançar nu é uma maneira de aproximar-se desse espírito. 

No entanto, atuais “expositores” da Bruxaria não são os primeiros a se sentirem excitados com a ideia de Bruxas nuas. Uma série de artistas do passado teve o prazer de desenhar Bruxas como jovens mulheres voluptuosas, nuas e impudentes. Um importante artista desse gênero foi Hans Baldung Grun, e foi um de seus desenhos que deu a Albrecht Dürer a ideia para a famosa pintura de Dürer, “The Four Witches”. 

Esse maravilhoso trabalho de arte, datado de 1497, mostra quatro mulheres de seios fartos tirando suas roupas para um rito de Bruxas. O propósito da figura, nem sempre compreendido, é este: as mulheres tiraram todas as suas roupas com exceção de seus toucados, e esses toucados, todos diferentes, mostram as várias classes da sociedade das quais elas vêm. 

Há a senhora mais alta [no sentido de alta sociedade], com uma touca mais elaborada com um material delicado sobre a sua cabeça. Há a cortesã, com seus cabelos soltos e esvoaçantes, presos somente por uma grinalda de folhas. Há a respeitável esposa de um morador da cidade, com um toucado liso e surrado, que cobre todo o seu cabelo de forma modesta. Por último, mostra a mulher camponesa, com apenas a ponta final de seu xale ou véu sobre a cabeça. O artista está dizendo que todas elas são irmãs na Bruxaria, e que as Bruxas vêm de todas as classes da sociedade. Quando elas estão nuas, encontram-se como iguais, e as distinções sociais são esquecidas. [Pelo mesmo motivo, não deveria haver saleiro na mesa no banquete após o Sabá. Segundo Doreen, a posição do saleiro na mesa era um indicativo de classe social.] 


{Final do texto da Doreen Valiente. A Nadia começa a falar novamente...}



Vamos agora falar da vestimenta comum, de fora do círculo. O titio Bucky costuma chamar as não-Bruxas que se vestem de maneira gótica de “bruxas wannabe”, porque parece que elas estão querendo dizer “I wanna be witch!” (Eu quero ser Bruxa!”. Como ele diz em “Wicca: um estilo de vida, religião e arte”: “Naturalmente encontrará muitas não-Bruxas, ou Bruxas “wannabe” que se escondem por trás de pentagramas e outros símbolos somente para parecer diferentes. (Em geral são as que pintam as unhas de preto e usam uma maquiagem grotesca.)” Apesar do desagrado do titio Bucky, você é livre pra usar o que quiser fora do círculo. Dentro do círculo, o vestuário segue regras (quaisquer que elas sejam), mas, fora do círculo, você pode usar o que quiser. 

Em “O Poder da Bruxa”, Laurie Cabot diz que toda Bruxa usa um pentagrama em algum lugar de suas roupas, mas isso não é uma regra. É apenas algo que tendemos a gostar, não uma obrigação. E pentagramas não são o único símbolo mágico que existe no mundo: também há luas, triskeles, triquetras, labrys, espirais, dragões... Scott Cunningham, assim como eu, diz que jóias rituais devem ser usadas somente dentro do círculo, e que outras jóias místicas podem ser usadas fora do círculo. Por exemplo: se você tiver um pentagrama de uso ritual, guarde-o pra usar somente dentro do círculo, e tenha outro pentagrama para usar fora dele. Perdi meu bracelete favorito por não seguir essa regra.

Laurie Cabot costuma andar pelas ruas de Salem vestida com uma túnica negra e jóias místicas (embora atualmente more na cidade ao lado). Já o titio Bucky abomina essa atitude e faz questão de usar terno, dizendo que vestimentas rituais são para serem usadas somente dentro do círculo, ou perdem sua função.

O vestuário costuma ser considerado expressão pessoal. Vamos o que expressão pessoal realmente significa.


O círculo mágico é um lugar de liberdade, mas não é a liberdade que as pessoas pensam; a liberdade dentro do círculo é a mesma liberdade da cerimônia do chá japonesa: através da submissão absoluta às regras, nos libertamos de nós mesmos. As pessoas, ao longo da vida, constroem uma imagem de si mesmas: “gosto disso, não gosto daquilo, sou assim, sou assado.” Mas isso é uma imagem construída, não é o verdadeiro você. Quando você se submete, voluntariamente, a uma quantidade gigantesca de regras, quando toda essa sua parte que diz “sou assim, sou assado” é ocupada pelas regras, então sua auto-ilusão cessa; a imagem que você construiu de você mesmo apaga, por alguns instantes, e seu verdadeiro eu aparece.


A submissão às regras é um truque para fazer aparecer o seu verdadeiro eu. Um dos maiores obstáculos ao progresso espiritual é quando a pessoa se agarra aos seus “gostos pessoais”, à sua imagem auto-construída, ao seu eu falso que diz “sou assim, sou assado”. Seu verdadeiro eu é aquele que você não conhece. Esse é um ensinamento comum à Bruxaria Gardneriana, à Bruxaria Britânica e à Bruxaria Italiana. É um dos ensinamentos mais importantes.


A Mente Profunda:

Livro: "Wicca Gardneriana"
Texto: A Magia Interior
Autor: Mario Martinez

Durante todo o processo de desenvolvimento que antecede à iniciação, a observação dos sacerdotes responsáveis recai sobre um ponto muito importante: o progresso interno, as mudanças que acontecem no âmago do ser, na maior parte das vezes invisíveis aos demais e imperceptíveis ao próprio novato. O fato é que, devido a toda uma estrutura social e educacional, é muito difícil que as pessoas olhem para o seu próprio interior. Empreender o caminho iniciático é o mesmo que percorrer um caminho que leva a nós mesmos, a nosso eu real. 

Quantos de nós podemos ter um vislumbre verdadeiro do nosso próprio ser? Cercados pela ilusão causada por auto-imagens, por condicionamentos impostos pela repressão educacional, religiosa e familiar, nos distanciamos cada vez mais de um conhecimento denuíno e sincero a nosso respeito.

Ultimamente muita ênfase tem sido dada ao chamado encontro com a Sombra em nosso interior, mas quando fui iniciado em Wicca, usava-se a expressão encontro com a Mente Profunda, ou mesmo encontro com o lado negro da Deusa e do Deus. Apesar dessa diferença de nomenclatura, na verdade o sentido aqui é o mesmo e trata-se do encontro com o nosso eu rejeitado. o lado negro da nossa personalidade tem sido menosprezado e demonizado por todas as culturas patriarcais do ocidente.

Entretanto a solução da antiga contenda, calcada na rejeição das trevas em detrimento [acho que ele quis dizer "em favor"] da luz, não está em destruí-las ou afastá-las, mas ao contrário, em compreendê-las e resgatá-las. Se pudermos enterder que luz e escuridão fazem parte da totalidade do nosso ser, que ninguém é somente luz ou apenas escuridão, teremos condições de investigar conscientemente o nosso próprio interior. Acredito que todo o problema esteja em nossa própria obstinação em negar o nosso lado Sombra e acreditar que somos eternamente bons, caridosos e justos. Alguns autores chamam a isso de Síndrome do Guerreiro da Luz, e centenas de gurus e profetas


{Aqui termina o texto do Mario Martinez, e a Nadia faz um desfecho final...}


Imagine um cara que chegasse no kung-fu e, em vez de aprender, resolvesse “imprimir seus gostos pessoais” ao kung-fu, para tornar o kung-fu “com a sua cara”. No fim das contas, esse sujeito ganhou alguma coisa? Não. Permaneceu o mesmo pastel que era no começo. Se, ao invés disso, ele permitisse que o kung-fu o mudasse, ele se tornaria uma pessoa diferente do que era no começo: ele mudaria, teria algum progresso espiritual, ganharia alguma coisa. A mesma coisa acontece na Bruxaria. 


{Algumas palavras particulares}


Joseph Campbell, um dos mitólogos mais respeitados da modernidade, afirma: "O mistério que você busca jaz além. O absoluto transcende totalmente qualquer pensamento. [...] aquilo que é absolutamente transcendente é a base do seu próprio ser, é você, é imanente em você. Mas não é o 'você' com quem você normalmente se identifica, que pode ser descrito. Não é isso. Quando você transcende tudo o que você pode nomear, então você chegou naquilo. Você é aquele mistério. O 'você' que você nem consegue pensar a respeito é aquilo, o grande mistério, o infinito". É por este mesmo motivo que se aprende, na velha Bruxaria, que o Uno/Mono ou Grande Imanifestável, também conhecido como Antiga Providência ou Divindade Única ou Suprema, é incognoscível e impossível de ser adorado. Tal aspecto, que é essência, antecede a existência.

Além disso, é interessante lembrar que o código da Cavalaria da Disciplina, formada por soldados romanos, perpetuava três princípios constituidores de toda lei: "Fidelitas, Frugalitas e Severitas!". Então, estuda e medita sobre esses princípios e compreenderá a importância das leis; afinal, elas não servem para nos punir, mas, sim, para nos orientar e evitar que sejamos punidos! A justiça é uma lei do cosmos: colhemos tudo o que plantamos. Mas, porém, essa colheita é geralmente maior do que o plantio: nisso reside a Lei Tríplice, ensinada na Bruxaria, tanto na velha quanto na moderna. Costumo falar que "[...] Na prática da justiça, o respeito é o desejo, o equilíbrio é a medida e a harmonia é a finalidade", pois o surgimento da lei foi um pilar fundamental para o desenvolvimento da civilização e o despertar da consciência humana, bem como agir com nosso verdadeiro eu ou eu superior. Boa sorte!